09 fevereiro 2009

LIBERTE SEU POTENCIAL COM O CANTO

Por: Maria de Lima
Se você é do tipo que não canta nem no chuveiro porque se julga desafinado, saiba que está perdendo boa chance de se desenvolver soltando a voz. "A voz humana é perfeita como um ser que ressoa no ideal, esperando, porém, por libertação". A frase, da cantora lírica sueca Valborg Werbeck-Svärdström, mostra que desafinado pode ser o conceito que você mantém sobre si, sobre seu potencial e habilidades. Talvez precise apenas ouvir a si mesmo sem julgamento, confrontar o medo de se expor e de errar, dispor-se a compreender e a resgatar sua voz. E tudo isso você pode conseguir com a ajuda do próprio canto.

Cantar combate a timidez, eleva a auto-estima, o autocontrole, a autoconfiança, melhora a comunicação em público e os relacionamentos interpessoais. Estudos mostram que o canto, quando usado de forma terapêutica, é coadjuvante em tratamentos de depressão, síndrome de pânico, problemas respiratórios, transtornos de ansiedade e outras doenças. Tese de doutorado desenvolvida pela professora Adelina Rennó, do Instituto de Psicologia da USP, comprovou a eficácia da cantoterapia no tratamento de pacientes com asma. Sua pesquisa foi baseada nos princípios da Medicina Antroposófica, que vê o homem como um ser integral, cujo bem-estar depende da saúde do corpo, mas também do equilíbrio da mente. A melhora dos pacientes explica-se, em parte, porque o canto é fundamentado na respiração e eles passam a respirar de acordo com as vibrações sonoras recomendadas pelo terapeuta.

Voz como reflexo da personalidade

Adelina conta que primeiro estudou música, foi cantora, regente de coral, deu aula de teoria musical. Relata ainda que na época em que regia um coral infantil, percebeu que a música provocava mudança no comportamento das crianças. "Percebi que as crianças aprendiam música, mas tinha um efeito colateral positivo", recorda-se. A professora deixou a música de lado por um período para estudar psicologia. Concluídos os estudos de psicologia, voltou-se novamente para a música, fez especialização na Alemanha e desenvolveu as pesquisas de mestrado e doutorado sobre cantoterapia, tendo por base a Escola do desvendar da voz, pedagogia de canto desenvolvida pela cantora lírica sueca Valborg Werbeck-Svärdström (1879-1972). Valborg perdeu a voz e conseguiu recuperá-la graças ao método desenvolvido por ela mesma. "É uma técnica em que se pode trabalhar problemas psicológicos e orgânicos", explica Adelina.

A cantoterapia faz parte de um campo maior que a é musicaterapia. A diferença é que a primeira utiliza-se como instrumento a voz, vista pela psicoterapia como retrato da personalidade humana. A voz é o principal canal de comunicação do indivíduo com o mundo a seu redor. "É a expressão máxima do ser humano", define a cantoterapeuta Mechthild Vargas, conhecida apenas por Meca Vargas, também seguidora da Escola do desvendar da voz. "Imagine alguém sem voz, alguém que não pode se expressar por meio das palavras", diz ela. "A voz é a expressão da individualidade". Com a voz e expressão corporal comunica-se por inteiro: expressa-se tristeza, alegria, preocupação, medo, ansiedade, raiva e muitas outras emoções e sentimentos pertencentes à natureza humana. Tanto que é comum pessoas ficarem temporariamente afônicas quando abaladas por um grande trauma.

Cante e encante

A corrente terapêutica adotada por Adelina e Meca consiste em manifestar a voz, que segundo elas, todos têm, mas pode estar bloqueada por medos, preconceitos e outros problemas de origem física ou emocional. Para isso, os terapeutas adotam exercícios específicos, utilizando-se do som das vogais, das consoantes e da música. "A voz é um fenômeno arquétipo," afirma Adelina, usando um termo da psicologia que, com outras palavras, que dizer que a voz é uma espécie de patrimônio da humanidade, um dom que cada um traz consigo.

Portanto, se você acredita que cantar e encantar platéias é um privilégio de músicos consagrados, reveja seu conceito. Para os adeptos da Escola do desvendar da voz, quem se intitula desafinado demonstra que mantém a voz aprisionada por uma corrente de força. É só libertá-la, permitir que ela desabroche e venha à tona. "É como se a voz estivesse encoberta por um véu e quando você a acorda, ela começa a se desenvolver de dentro para fora", explica Meca. Ou seja, o terapeuta, em vez de se preocupar com as causas externas da suposta falta de voz, procura descobrir primeiro as causas internas do problema. "É um trabalho holístico, baseado em várias técnicas", continua Meca.

Escute sua voz interior

A primeira tarefa para despertar a voz é aperfeiçoar a audição interior. É ouvir-se com atenção, sem preconceito e egoísmo. "Escutar a voz que está em seu íntimo, por trás da voz que você normalmente escuta", explica Adelina. Mas para ouvir a própria voz você primeiro precisa predispor-se a cantar. Pode cantar em casa, acompanhando o CD de seu intérprete preferido, em corais - de igrejas, empresas, associações de classe, universidades - em karaokês, festas de aniversário e shows. A idéia é cantar sempre que você tiver oportunidade, mas sem forçar a garganta e sem gritar. Aos poucos, irá soltando sua voz até que ela encontre o próprio ritmo e renasça vigorosa.

Os benefícios para quem empreender essa viagem de autodescoberta prometem ser gratificantes. Começam pelo prazer de entoar a canção preferida para a pessoa amada, para si mesmo e para outras platéias. O canto, observa Meca, ajuda o praticante a combater o estresse, o isolamento social e a soltar-se para expressar-se melhor em público. "É uma das grandes fontes para se trabalhar o lado humano, psíquico e espiritual do indivíduo", diz.

Descubra novas emoções

A professora de música Sonia Joppert, da Oficina de Música que leva seu nome, no Rio de Janeiro, afirma que por meio do canto, faz-se contato com emoções que não podem ser percebidas de maneira racional. Com mais de 15 anos de experiência na área, ela assegura que além da melhoria da voz - cantada e falada - o canto desinibe, aumenta a auto-estima e autoconfiança, elimina antigos bloqueios e leva o praticante a novas descobertas sobre suas potencialidades.

O objetivo da cantoterapia, observa Sonia, é preparar o indivíduo para viver melhor. Ela explica que incluem-se nesse objetivo conhecer melhor as próprias emoções, adquirir confiança e segurança para cantar em público, acabar com a idéia de que não é capaz. "E com isso, cantar muito melhor", diz. Para a professora, o aluno que canta com confiança, carisma e ousadia, acaba por levar essas emoções para a vida pessoal e profissional. Ela lembra que qualquer atividade que proporcione prazer libera a endorfina (substância química responsável pela sensação do bem-estar). "O aumento da endorfina na corrente sangüínea previne doenças como o estresse e melhora a qualidade de vida", frisa.

Sonia acrescenta ainda que dedicar-se a uma atividade lúdica como o canto faz que o praticante descubra um mundo mais tranqüilo, com menos competição. Sem deixar, porém, de explorar o próprio potencial. Seus alunos são submetidos a dinâmicas e treinamentos práticos, cujo objetivo é capacitá-los para atuar em público com desenvoltura. Ela relata que são exercícios com graus de dificuldade gradativos, que respeitam as limitações de cada um, mas preparam o aluno para se expor cada vez mais.

Cante se estiver feliz.

Mas se estiver triste, cante também!

Cantamos geralmente quando nos sentimos alegres, de bem com a vida e com o mundo. Mas o canto é considerado também um remédio para a tristeza. E você nem precisa fingir que está feliz para cantar e espantar o desalento. "Você pode cantar de forma triste, mas aos poucos vai transformando a tristeza até se livrar dela", explica a professora Meca. O importante, segundo a terapeuta, é cantar de forma intencional, com consciência, ainda que seja no chuveiro.

Meca observa, porém, que entre o cantar com objetivo estético - ou apenas para relaxar - e adotar o canto como terapia, há um longo caminho. Ela explica que cantar em grupo funciona como uma prevenção. Embora saudável, cantar em karaokês e em corais ou com o objetivo de aprimorar-se como profissional, não é considerado uma terapia. "Comprar flores pode ser terapêutico para algumas pessoas, mas não é terapia", compara Adelina. Ela observa que terapia pressupõe a existência de um terapeuta - alguém com formação específica para o exercício do cargo -, que vai fazer um diagnóstico, determinar uma linha de tratamento, definir um objetivo.

A professora situa a cantoterapia entre a fisioterapia e psicoterapia. É uma atividade que, segundo ela, busca o desenvolvimento humano como um todo - corpo, alma, espírito e mente -, por meio de várias técnicas e exercícios que são dirigidos com finalidade específica. A escolha das músicas não é aleatória. Em um momento, o terapeuta pode escolher canto gregoriano, se o objetivo for acalmar a pessoa. Em outro, pode optar por uma música mais alegre se quiser levantar o astral do praticante.

Cantar eleva corpo e alma

A professora Adelina ressalta, porém, que cantar, de forma terapêutica ou não, é um exercício saudável para o corpo e a alma. Primeiro, porque é uma atividade que está intimamente ligada à respiração, função vital para o ser humano. "O canto se utiliza do ar e da respiração para que o som surja", explica Adelina. A respiração é praticada em meio à emissão de fonemas, tons, melodias e ritmos. Outro ponto positivo é que cantar é um exercício complexo, que envolve vários órgãos, como a laringe, o diafragma, o pulmão, entre outros, além de equilibrar a emoção. E o melhor: não tem contra-indicação, pode ser praticado por pessoas de todas as idades. "Qualquer idade é a idade certa para melhorarmos como seres humanos", diz Sonia Joppert, que afirma ter alunos entre 12 e 85 anos. "O palco da cantoterapia é o palco da vida", diz.

O fato é que você não precisa, necessariamente, fazer terapia para aplicar os benefícios do canto em sua vida. Adelina lembra que se o objetivo for apenas relaxar, os corais são excelentes escolhas, pois têm importante aspecto social. Neles as pessoas interagem e acabam tornando-se amigas. Meca Vargas ressalta que no início essa interação pode ser muito sutil. "Dá-se apenas pela voz, que vai se misturando uma com as outras", diz. Mas aos poucos vai evoluindo até chegar à fala. "Depois, o participante se libera e pode começar a conversar com outras pessoas", diz.

Quem é muito tímido ou tem tendência para ser o tipo anti-social, pode integrar-se a um coral e tornar a convivência com os outros mais agradável. "O canto é um dos grandes recursos para a sociabilização", afirma Meca. Para a professora, na atual sociedade marcada pela pressa e pelo constante surgimento de novas tecnologias, o canto é uma saída para o ser humano voltar-se para si, para o próprio centro. "O lado técnico é muito bom", afirma Meca. "Mas é importante que o lado humano também seja trabalhado". Adelina concorda e lembra que são muitas as situações cotidianas que alienam o indivíduo. "As pessoas vão perdendo o contato com elas mesmas", afirma a professora. "O canto ajuda a recuperar o equilíbrio", conclui.

Afinada com ambas as professoras, Sonia Joppert destaca que em um estilo de vida estressante como a maioria leva, é preciso encontrar um momento para si, buscar um momento de prazer. "Com isso, "nutrir-se" o suficiente para "alimentar" também quem estiver à sua volta", diz. Com o lema "Cantar para ser feliz", ela lançou recentemente o CD Sonia Joppert canta o lado bom da vida. O disco, feito em parceria como Roberto Menescal, reúne MPB, cujas letras falam de esperança e otimismo.

Origem remota - Acredita-se que o uso das artes de forma terapêutica remonta à Grécia

Antiga. Adelina Rennó dá um exemplo de como o canto é utilizado de forma terapêutica desde os tempos remotos. Ela observa que os rituais de cura, realizados pelos pajés em suas tribos, constituem-se não apenas de remédios, mas também de manifestações artísticas. "Antes de oferecer o remédio para alguém o pajé canta e dança", diz. A professora observa que somente no século XX o uso das artes como terapia passou a ser alvo de investigações científicas. As pesquisas que deram origem à Escola do desvendar da voz, desenvolvidas por Valborg Werbeck-Svärdström, iniciaram-se em 1912. Foram fundamentadas nos princípios da Antroposofia (doutrina espiritual criada pelo filósofo austríaco Rudolf Steiner, que viveu entre 1861 a 1925).

As descobertas de Valborg foram registradas em um livro com o mesmo título da escola (Escola do desvenda da voz - Um caminho para a redenção na arte do canto), publicado no Brasil pela Editora Antroposófica (www.antroposofica.com.br). A cantora conta no livro como perdeu a voz em plena juventude e a recuperou graças às descobertas de suas pesquisas. Apesar de ter recuperado a voz, ela abandonou a carreira e dedicou o resto de sua vida para aprimorar e difundir seu método de compreensão e desenvolvimento da voz humana. Suas descobertas foram reconhecidas por Rudolf Steiner como "um caminho de auto-educação para o canto".

"Se aprendermos a nos deixar conduzir por nosso ouvido interior e exterior, exercitando a escuta, prestando atenção ao som oculto, então o princípio que dá origem ao tom musical se tornará interiormente audível para nós, e esse som primordial irá aos poucos reluzir em nossos próprios tons e em sua ressonância exterior. Ele será cada vez mais evidente para o ouvido externo, e pouco a pouco se libertará de dentro dos tons presos à corporalidade." Valborg Werbeck-Svärdström

"Assim como o canto dos pássaros enobrece o esplendor da natureza por sua beleza, também o homem, no desabrochar de sua voz, pode tornar sublime este mundo da arte do canto e vir a ser seu co-criador." Astrid Prokofieff
Fonte: Revista Vencer

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